Cloud Dog, o desejo ou o amor
Por Borbas
Namoro longo, feliz e bem vivido, sem razões aparentes para insatisfação. O que leva alguém a romper com uma situação de conforto e facilidade está muito mais aos olhos do que se imagina: a outra. Ou melhor, o desejo de ter a outra. A fantasia de poder ser ainda mais feliz.
O que raios quero dizer com isso? Num blog de religião, com um texto sobre um filme hollywoodiano a escrever, fazer referência a namoro não é puro acaso: David Gale e a outra – pasmem! – têm muito em comum. Lacan que o diga!
O namorado, como inseguro de sua situação, tinha uma idéia fixa, um objeto de desejo: edificar e cimentar uma felicidade que está fora de seu horizonte.
David Gale, como pai ativista, tinha uma idéia fixa, um objeto de desejo: edificar e cimentar uma felicidade que está fora de seu horizonte.
Explico. Lacan, aquele do pequeno objeto a, em seus Esquemas Freudianos, diz que “O objeto, para ele [o homem], nunca é definitivamente o derradeiro objeto, a não ser em certas experiências excepcionais. Mas este se apresenta, então como um objeto do qual o homem está irremediavelmente separado, e que lhe mostra a figura mesma de sua deiscência dentro do mundo – objeto que por essência o destrói”. Desejo, então, é o querer sabidamente inalcançável daquilo que, presume-se, será a fonte inesgotável da plenitude.
O prazer – combustível para a vida – chega não na conquista do desejo, pelo contrário, em sua busca que é, inclusive, angustiante. David Gale sabe disso e na cena na sala de aula, diz que “o verdadeiro significado do ser humano é a luta para viver por idéias e ideais”.
Criar, da conquista do desejo, o nutriente para a vida é, para Lacan o que Freud chama de mal-estar da civilização. A busca à toa pelo fim da pena de morte que David Gale não o satisfaz por completo (em suas próprias palavras, ele “quer a fantasia desse ‘algo’ [objeto de desejo]”), protestar, discutir com o governador ou ser forte ativista na DeathWatch não são suficientes para a conquista do desejo, e isso não é suficiente . Por Lacan, “a fantasia é a sustentação do desejo, não é o objeto que é a sustentação do desejo”; não há satisfação pela sensação de ausência ou movimentação em direção da conquista.
O que, de fato, David Gale quer? O que deseja? Fim da pena de morte? Lutar por isso? Talvez mais: ser um pai herói.
O pequeno Cloud Dog, explicado por Eliseu em seu post, é, além do símbolo de sacrifício de Gale, que oferece sua vida para virar mártir, objeto transicional – o pequeno objeto a – de seu filho e de si próprio. Cloud Dog é a materialização imaginária do que Gale quer como pai: o amor de seu filho. Tê-lo, o objeto a, não é suficiente; é manter em mãos uma fantasia do desejo e se angustiar por isso. É necessário mais – e Gale o sabe.
Por ser levado ao lado da vilania no decorrer do filme – preso por estupro e condenado à morte por ter matado sua companheira de causa – a maneira de se redimir perante seu filho – e reestruturar sua imagem de bom pai – é tornando-se mártir. É andar em direção ao que se deseja.
O auto-sacrifício, diz na cena na sala de aula, é um ponto de se enaltecer a vida; é a luta por ideais que estão muito além das fantasias dos desejos. David Gale consegue se localizar na linha tênue que separa auto-satisfação e desejo e ruma a tal “porque no final, a única forma de medir o significado de nossas vidas é valorizando a vida dos outros”, ou do ente amado.
Ao cabo, David Gale compreende: o desejo não é o que traz a satisfação. O andar em direção ao que o desejo te impõe. É tê-lo inicialmente como nutriente para suprimi-lo posteriormente por um bem maior, que transpasse o indivíduo; é, quiçá, mais do que terminar o namoro pela outra.
Uau, Borbas, arrasou!
A conexão q fez com a história da namorada é muito inteligente e válida. E amarrou bem o texto.
O momento Ciro + Mayra é bem mais fácil de entender agora, depois de ver o filme com os comentários do grupo e depois de seu texto!
Acho q de tds os seus textos, é o q mais gostei até agora!
Ana Paula said this on novembro 6, 2008 às 2:18 pm
muuuiiitooo bom! no próximo semestre vc pode dar uma aula (ótima!) sobre lacan e o desejo!!!
rosana said this on novembro 6, 2008 às 11:05 pm
Adorei!!!! Li quase todos os textos de vocês, religiosos, até agora e devo dizer que poucos me deixaram com vontade de ler até o finzinho, sem parar, como este seu texto!!!!
Devo admitir que está muito bom!!! Parei, por um tempo,como forma de protesto aos spans, de ler o blog de vocês. Volto e me deparo com seu texto sobre desejo/Lacan/Gale/namoro! Golpe baixo, hein!
Se a aula que a Rosana propôs rolar, eu vou!! hahahaha
Ana Carolina Athanásio said this on novembro 8, 2008 às 6:44 pm
eu confesso!
que, mesmo tendo proposto falarem do pequeno objeto a, não compreendo Lacan.
que, mesmo tendo chamado atenção para o Cloud Dog e o fato de ser pequeno objeto a, não sei o significado disso.
que, mesmo tendo me disposto a ouvir e aconselhar, não entendo o que significa essa conclusão.
que, mesmo que tenha pegado boa parte das conecções internas do texto, não alcancei sua essência.
que, mesmo tendo-o lido algumas vezes, não chego perto de sua abstração.
que, mesmo tendo prestado atenção nas aulas de linguagem I/ T. Com., não me dizem muita coisa.
que, mesmo admirando um texto assim tão!, não sou digno de comtemplá-lo em sua plenitude.
André Eler said this on novembro 8, 2008 às 8:22 pm
Como muitos da sala já haviam me dito, o texto está realmente ótimo. Gostei de verdade, Borbas. Acho que vc teve um grande momento de inspiração.
Carla Peralva said this on novembro 9, 2008 às 12:46 pm
Então tá.
A busca pela desejo, pela satisfação dele, deve ser sempre objeto de cuidados e cautela.
Cinéfilos said this on novembro 13, 2008 às 2:43 pm
Alias, ótimo filme!
(Este sim Cinéfilos, o outro de cima, BruBuzzo!)
Cinéfilos said this on novembro 13, 2008 às 2:43 pm
[…] deparamos, entre outras coisas, com estratégias argumentativas , doentes terminais, sacrifícios, desejos e falácias. Muitas […]
De como ser falacioso – parte I « Contadores de Histórias said this on novembro 29, 2008 às 12:57 pm